Art. 186 do CC/02 [COMENTADO]

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Transcrição – Art. 186 do CC/02

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

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Os comentários que se seguem foram feitos por Silvio de Salvo Venosa:

Introdução

Quando o agente pratica ato volitivo, quer especificamente para atingir efeitos jurídicos, quer não, estamos no campo já estudado dos negócios jurídicos.

Se o agente dos negócios e atos jurídicos, por ação ou omissão, pratica ato contra o Direito, com ou sem intenção manifesta de prejudicar, mas ocasiona prejuízo, dano a outrem, estamos no campo dos atos ilícitos. O ato ilícito pode constituir-se de ato único, ou de série de atos, ou de conduta ilícita. A ação ou omissão ilícita pode acarretar dano indenizável. Essa mesma conduta pode ser punível no campo penal.

Direito Civil x Direito Penal

Embora o ato ilícito, ontologicamente, tenha entendimento único, pode receber punição civil e penal, como, por exemplo, quando há lesões corporais. O Direito Penal pune o autor das lesões corporais com pena privativa de liberdade, além de outras sanções na ordem criminal. O interesse de punir, no campo penal, é social, coletivo. Pouco importa para o Direito Penal que não tenha havido prejuízo patrimonial, pois é direito punitivo ou repressivo por excelência. As razões ontológicas e axiológicas das punições aplicadas nesse campo são objeto do estudo da Sociologia e da Política Criminal.

Para nós, no Direito Civil, importa saber quais os reflexos dessa conduta ilícita. No crime de lesões corporais, a vítima pode ter sofrido prejuízos, tais como despesas hospitalares, faltas ao trabalho e até prejuízos de ordem moral, se foi submetido à chacota social ou se ficou com cicatriz que prejudique seu trânsito social. No campo civil, só interessa o ato ilícito à medida que exista dano a ser indenizado.

O Direito Civil, embora tenha compartimentos não patrimoniais, como os direitos de família puros, é essencialmente patrimonial. Quando se fala da existência de ato ilícito no campo privado, o que se tem em vista é exclusivamente a reparação do dano, a recomposição patrimonial. Quando se condena o agente causador de lesões corporais a pagar determinada quantia à vítima, objetiva-se o reequilíbrio patrimonial, desestabilizado pela conduta do causador do dano.

Não há, no campo civil, em princípio, ao contrário do que vulgarmente podemos pensar, sentido de “punir o culpado”, mas o de se indenizar a vítima. Esta última afirmação, quase um dogma no passado, tem sofrido modificações modernamente, pois muito da indenização de dano exclusivamente moral possui uma conotação primordialmente punitiva, como veremos em nossos estudos nesse campo.

Crimes x Atos ilícitos

No campo penal, há série de condutas denominadas típicas, descritas na lei, que se constituem nos crimes ou delitos. Quando alguém pratica alguma dessas condutas, insere-se na esfera penal. O ato ilícito no campo penal, portanto, é denominado crime ou delito. A terminologia ato ilícito é reservada, no sentido específico, para o campo civil, daí se falar em responsabilidade civil.

Responsabilidade Civil

Em matéria de responsabilidade civil, havia artigo no Código Civil de 1916 a fundamentar a indenização não derivada de contrato. O atual Código, nesse dispositivo, refere-se ao dano moral, presente expressamente na Constituição de 1988.

Desses artigos decorrem todas as consequências atinentes à responsabilidade extracontratual entre nós. Na responsabilidade extracontratual ou extranegocial, também denominada aquiliana, em razão de sua origem romana, não preexiste um contrato. É o caso de alguém que ocasiona acidente de trânsito agindo com culpa e provocando prejuízo indenizável. Antes do acidente, não havia relação contratual ou negocial alguma. Tal fato difere do que ocorre no descumprimento, ou cumprimento defeituoso, de um contrato no qual a culpa decorre de vínculo contratual.

Por vezes, não será fácil definir se a responsabilidade é contratual ou não. O ato ilícito, portanto, tanto pode decorrer de contrato ou negócio jurídico em geral como de relação extracontratual. O atual Código atualiza o conceito de responsabilidade negocial no art. 389: “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”

Dolo e Culpa

A ilicitude cominada no presente artigo diz respeito à infringência de norma legal, à violação de um dever de conduta, por dolo ou culpa, que tenha como resultado prejuízo de outrem. A infração à norma pode sofrer reprimenda penal, consistente em pena corporal ou multa, correlatamente a indenização civil, ou tão somente indenização civil, caso a norma violada não tenha cunho penal.

O artigo sob comentário menciona tanto o dolo como a culpa, assim considerados no campo penal. Fala o dispositivo em “ação ou omissão voluntária”.

O Código Penal define dolo como a situação em que o agente quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo (art. 18, I). No dolo específico, o agente quer o resultado direta ou indiretamente. No dolo eventual, especificado no dispositivo penal (quando o agente assume o risco de produzir o resultado), o agente pratica o ato sem querer propriamente certo resultado; quando, porém, de forma implícita, aquiesce com ele, tolerando-o, estará agindo com dolo eventual.

A culpa, segundo o presente dispositivo, vem estatuída pela expressão negligência ou imprudência. O Código Penal, no art. 18, acrescenta a imperícia. Na conduta culposa, há sempre ato voluntário determinante do resultado involuntário. O agente não prevê o resultado, mas há previsibilidade do evento, isto é, o evento, objetivamente visto, é previsível. O agente, portanto, não prevê o resultado; se o previsse e praticasse a conduta, a situação se configuraria como dolo.

Quando temos em mira a culpa para a caracterização do dever de indenizar, estaremos no campo da chamada responsabilidade subjetiva, isto é, dependente da culpa do agente causador do dano. Em contraposição, há várias situações nas quais o ordenamento dispensa a culpa para o dever de indenizar, bastando o dano, a autoria e o nexo causal, no campo que se denomina responsabilidade objetiva.

Dever de indenizar

Para que surja o dever de indenizar, é necessário, primeiramente, que exista ação ou omissão do agente; que essa conduta esteja ligada por relação de causalidade com o prejuízo suportado pela vítima e, por fim, que o agente tenha agido com culpa (assim entendida no sentido global exposto). Faltando algum desses elementos, desaparece o dever de indenizar.

REFERÊNCIA

VENOSA, Sílvio de Salvo; RODRIGUES, Cláudia. Código Civil interpretado. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2019.


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