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Transcrição – Art. 3º da CLT
Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único. Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
Esquema
Comentários
Os comentários que se seguem foram feitos por Homero Batista Mateus da Silva:
Introdução
[…] o conceito de empregado é nuclear ao direito do trabalho, do qual decorrem vários outros conceitos, inclusive o de empregador (empregador é quem contrata trabalhadores na forma de empregados, repita-se).
O conceito mais frequente de empregado abarca quatro expressões do art. 3º, analisadas adiante, e uma expressão do art. 2º, a pessoalidade […].
Pessoa Física
A primeira expressão é a exigência de se tratar de uma pessoa física. Não se admite que uma pessoa jurídica celebre um contrato de emprego com outra pessoa jurídica.
Entretanto, como no direito do trabalho quase tudo está sujeito à presunção meramente relativa, o fato de um trabalhador ser forçado a abrir uma pessoa jurídica para celebrar um contrato civil ou comercial de prestação de serviços não significa que não poderá alcançar os direitos trabalhistas, mediante autuação de auditor fiscal do trabalho ou mediante decisão da Justiça do Trabalho.
Ainda hoje existem empresas que acreditam ser possível driblar a legislação trabalhista optando pela modalidade da contratação do empregado sob a modalidade de pessoa jurídica.
O fenômeno é tão recorrente que a sociedade até mesmo cunhou expressões bizarras como “empregado PJ”, “trabalhador pejotizado” ou “regime PJ”: o próprio estranhamento dessas expressões está a revelar que se trata de empregado, sob o regime da CLT, que, em vez de ser registrado em carteira, teve a modalidade de contratação adulterada para um regime de pessoa jurídica incompatível com seu cotidiano.
Talvez a formação de pessoas jurídicas seja adequada para consultores, profissionais liberais e outros prestadores de serviços não cotidianos, não ligados à estrutura da empresa, não sujeitos às ordens do dia a dia, entre outras circunstâncias.
Por fim, salientese que a pessoa física não precisa ser um cidadão no gozo dos direitos políticos. Considerando que a realidade impera no direito do trabalho, um estrangeiro sem visto de trabalho, uma criança abaixo da idade mínima, um aposentado por invalidez ou um preso foragido do sistema carcerário poderão, todos eles, ter os direitos trabalhistas reconhecidos paralelamente às consequências civis e penais que uns e outros responderão pelo descumprimento das normas vigentes. Os regimes devem conviver em harmonia, de modo a não se admitir a exploração da mão de obra.
Serviço não eventual
O serviço deve ser “não eventual”. Esse requisito se tornou conhecido como habitualidade. Às vezes, aparece referido como ineventualidade. Está diretamente relacionado com a repetição do fato e com a assiduidade. O ponto central é a expectativa da repetição, e não a quantidade de horas ou de dias.
Assim, preenche o requisito da habitualidade o professor de matemática que leciona apenas quatro aulas por semana, toda segunda-feira pela manhã, pois a repetição é razoavelmente esperada e existe a constância necessária para que o serviço seja dito “não eventual”.
Desnecessário que o serviço preencha a carga de trabalho integral da semana ou que se exijam cinco ou seis dias de comparecimento semanal. Ao revés, não preenche o requisito da habitualidade o trabalhador que ajudou na movimentação de cargas em dias ocasionais, sem uma repetição racional, ainda que alguns desses dias tenham sido consecutivos.
Alguns ramos de atividades, como hotéis, bares e restaurantes, atuam no limite do conceito, contratando trabalhadores “extras” para trabalhar em 100% dos finais de semana, sob a alegação de que existe incremento do movimento nesses dias: ora, se o trabalhador comparece em todos os finais de semana, a atividade nada tem de eventual; ele é empregado habitual, ainda que, talvez, possa ser enquadrado no conceito de trabalhador a tempo parcial (art. 58-A da CLT), se tanto.
Por fim, observe-se que o legislador foi mais rigoroso com os empregados domésticos do que com os demais trabalhadores: para os domésticos, se exige a atuação por, pelo menos, três dias por semana (art. 1º da LC 150/2015), sob pena de ser considerado um “diarista”.
Trabalho intermitente
Não se argumente que a reforma trabalhista eliminou o conceito de habitualidade para a configuração do vínculo de emprego, pelo fato de ter inserido na legislação brasileira a figura do contrato de trabalho intermitente, ou contrato-zero como chamam os ingleses: de fato, a relação intermitente admite a prestação ocasional de serviços, à luz dos arts. 443, § 3º, e 452-A, ambos introduzidos na CLT pela Lei 13.467/2017.
A ineventualidade continua sendo marca definidora do contrato de trabalho. O contrato intermitente é excepcional, não se presume, exige forma escrita, enseja gozo de férias anuais e possui um grupo básico de regras a serem cumpridas. Logo, estamos diante de um contrato atípico, que não serve para conceituar a relação de emprego como um todo.
O direito do trabalho em geral e a legislação brasileira em particular já tiveram de enfrentar semelhantes dilemas com algumas relações excepcionais, como o contrato de aprendizagem – que fica a meio passo entre o trabalho subordinado e a carga educacional –, o contrato dos atletas profissionais, algumas relações sazonais rurícolas, entre outros exemplos.
Da mesma forma, relações muito próximas da esfera trabalhista, como os estágios e a representação comercial, foram retiradas da proteção da CLT por decisão do legislador.
Assim, não concordamos com a afirmação de que o conceito de contrato de trabalho passou a prescindir da habitualidade ou da subordinação: os elementos seguem inalterados, com a novidade de que uma determinada modalidade contratual inserida pela reforma trabalhista – o contrato de trabalho intermitente – mitiga a habitualidade na prestação de serviços, desde que essa condição seja previamente ajustada entre as partes, o que é diferente de eventualidade oriunda das relações esporádicas, imprevistas e imprevisíveis. A prestação de serviços nos moldes do art. 452-A pode ser imprevista, mas não imprevisível.
Dependência do empregador
O serviço deve ser prestado ao empregador sob “dependência”. A expressão “dependência” foi aos poucos sendo preterida em favor da palavra subordinação.
Já conheceu a fase da dependência econômica, que partia do pressuposto de que todos os empregados eram economicamente dependentes de empregadores abastados, o que ignorava situações como da massa falida, da empresa em recuperação judicial, das prefeituras ou, simplesmente, os altos empregados que não necessariamente dependem daquele trabalho para sua subsistência.
Houve, também, a dependência técnica, que pressupunha que todos os empregadores fossem conhecedores do ciclo produtivo e os empregados eram carecedores de maiores conhecimentos técnicos.
Prefere-se modernamente associar a dependência a uma forma de subordinação jurídica, ou seja, o empregado está subordinado ao empregador porque este detém o poder diretivo e, como tal, dirige os rumos da atividade – o que nada tem a ver com o patamar econômico ou com os conhecimentos econômicos de uns e outros.
Recebimento de salário
A quarta exigência do art. 3º é que o serviço seja desempenhado “mediante salário”. Era preferível que o legislador houvesse se referido a pagamento ou remuneração, que são expressões mais abrangentes (art. 457 da CLT).
Salário é apenas uma das formas de remuneração. Mas se compreende que o propósito deste art. 3º era fazer menção ao contrato a título oneroso, pois não existe contrato de trabalho a título gratuito. Contrato de trabalho não é voluntariado.
Ainda melhor do que dizer que o contrato de trabalho pressupõe remuneração é dizer que o contrato é marcado pela alteridade, ou seja, outrem é responsável pelo pagamento, que não provem da arrecadação feita pelo próprio profissional autônomo. A alteridade é uma expressão bastante adequada para esse assunto, pois se alia ao conceito de riscos da atividade assumidos por terceiros, tratado no art. 2º ao se referir ao empregador. O empregado trabalha, portanto, “por conta e risco alheios”. Esse requisito do conceito de empregado se tornou conhecido como o tema da onerosidade.
Considerações finais
A CLT alcança a todos. Já houve tentativas de desvinculá-la dos altos empregados ou dos trabalhos manuais, assim como já se tentou dizer que ela não deveria alcançar algumas formas especiais de contrato de trabalho, como a dos atletas profissionais de futebol ou da classe artística.
Mas qualquer forma de desvinculação esbarraria não apenas em incoerência ou em falta de critérios uniformes como também na constatação de que não existe nenhum conhecimento humano no mundo que não possa ficar obsoleto em 24 horas.
Em outras palavras, um dia todos nós precisamos ou precisaremos de alguma rede de proteção trabalhista, sendo temerária a afirmação de que determinadas profissões ou grupos de profissionais conseguem negociar seus contratos e seus distratos sem parâmetros ou patamares mínimos, mormente num País de baixa tradição de negociações coletivas eficazes.
REFERÊNCIA
SILVA, Homero Batista Mateus da. CLT comentada. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.
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