Art. 59 do CP [COMENTADO]

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Transcrição – Art. 59 do CP

Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

Esquema

Art 59 do CP - Comentado

Comentários

Os comentários que se seguem foram feitos por Guilherme de Souza Nucci:

Conceito de fixação da pena

Trata-se de um processo judicial de discricionariedade juridicamente vinculada visando à suficiência para prevenção e reprovação da infração penal. O juiz, dentro dos limites estabelecidos pelo legislador (mínimo e máximo, abstratamente fixados para a pena), deve eleger o quantum ideal, valendo-se do seu livre convencimento (discricionariedade), embora com fundamentada exposição do seu raciocínio (juridicamente vinculada).

Conceito de circunstâncias judiciais

São as circunstâncias que envolvem o crime, nos aspectos objetivo e subjetivo, extraídas da livre apreciação do juiz, desde que respeitados os parâmetros fixados pelo legislador no art. 59 do Código Penal, constituindo efeito residual das circunstâncias legais. Em outras palavras, encontrado o tipo básico, isto é, havendo prova da ocorrência do crime (ex.: homicídio = matar alguém), passa o magistrado a aplicar a pena.

Para tanto, serve-se de todas as circunstâncias (elementos que envolvem a infração penal), devendo ter a cautela de identificar, logo de início, as que são legais – previstas expressamente em lei (qualificadoras/privilégios; causas de aumento/diminuição; agravantes/atenuantes) – das que são judiciais – extraídas da construção do juiz, conforme dados fáticos encontrados nos autos.

Por isso, embora o magistrado inicie a fixação da pena pela análise das denominadas circunstâncias judiciais do art. 59, não é demais ressaltar que elas são residuais, ou seja, se não constituírem qualificadoras/privilégios, causas de aumento/ diminuição ou agravantes/atenuantes, podem ser levadas em conta na eleição do quantum da pena-base.

Momentos de ocorrência e de avaliação

As circunstâncias do crime – judiciais ou legais – são utilizadas para a fixação da pena; porém, o juiz deve avaliar apenas as circunstâncias, positivas ou negativas, anteriores à data do fato criminoso. Assim, por ocasião da sentença condenatória, para individualizar a pena, toda a vida do réu, antes do delito, será devidamente analisada. O que acontecer após essa data, durante a investigação ou o processo, não serve de base para a mensuração da pena.

Conceito de culpabilidade

Trata-se da culpabilidade em sentido lato, ou seja, a reprovação social que o crime e o autor do fato merecem.

A culpabilidade em sentido estrito já foi analisada para compor a existência do delito (onde, além da reprovação social, analisaram-se a imputabilidade, a potencial consciência de ilicitude e a exigibilidade e possibilidade de agir conforme o direito). Entretanto, volta o legislador a exigir do juiz a avaliação da censura que o crime merece – o que, aliás, demonstra que esse juízo não incide somente sobre o autor, mas também sobre o que ele cometeu –, justamente para norteá-lo na fixação da sanção penal merecida.

Conceito de antecedentes

Trata-se de tudo o que existiu ou aconteceu, no campo penal, ao agente antes da prática do fato criminoso, ou seja, sua vida pregressa em matéria criminal. Antes da Reforma de 1984, podia-se dizer que os antecedentes abrangiam todo o passado do réu, desde as condenações porventura existentes até os seus relacionamentos na família ou no trabalho. Atualmente, no entanto, destacando-se a conduta social de dentro dos antecedentes, terminou sendo esvaziado este último requisito, merecendo circunscrever sua abrangência à folha de antecedentes.

Diversamente da reincidência, os maus antecedentes não caducam, em nosso entendimento. O período depurador relativo à reincidência (art. 64, I, CP), de cinco anos, justifica-se porque essa circunstância acarreta vários gravames ao acusado/condenado (ver a nota 69 ao art. 64). Eis o motivo pelo qual há um prazo para caducar.

Os antecedentes criminais, para fins penais, só têm um efeito, figurando como circunstância judicial (art. 59, CP), visando a mensurar a pena-base.

Por outro lado, comprovada a reincidência, deve o juiz aplicar a agravante (art. 61, I, CP), que pode gerar uma elevação da pena, na segunda fase da fixação da pena, de um sexto ou mais. Quanto aos antecedentes, a sua aplicação depende do critério do julgador, sendo de consideração facultativa. Ademais, os maus antecedentes devem ser avaliados pelo magistrado no caso concreto, justamente para que apresentem alguma conexão com o crime cometido pelo agente.

Conceito de conduta social

É o papel do réu na comunidade, inserido no contexto da família, do trabalho, da escola, da vizinhança etc.

O magistrado precisa conhecer a pessoa que estará julgando, a fim de saber se merece uma reprimenda maior ou menor, daí a importância das perguntas que devem ser dirigidas ao acusado, no interrogatório, e às testemunhas, durante a instrução. Um péssimo pai e marido violento, em caso de condenação por lesões corporais graves, merece pena superior à mínima, por exemplo. A apuração da conduta social pode ser feita por várias fontes, mas é preciso boa vontade e dedicação das partes envolvidas no processo, bem como do juiz condutor da instrução.

Conceito de personalidade

Trata-se do conjunto de caracteres exclusivos de uma pessoa, parte herdada, parte adquirida.

“A personalidade tem uma estrutura muito complexa. Na verdade é um conjunto somatopsíquico (ou psicossomático) no qual se integra um componente morfológico, estático, que é a conformação física; um componente dinâmico-humoral ou fisiológico, que é o temperamento; e o caráter, que é a expressão psicológica do temperamento (…) Na configuração da personalidade congregam-se elementos hereditários e socioambientais, o que vale dizer que as experiências da vida contribuem para a sua evolução. Esta se faz em cinco fases bem caracterizadas: infância, juventude, estado adulto, maturidade e velhice” (GUILHERME OSWALDO ARBENZ, Compêndio de medicina legal).

É imprescindível, no entanto, haver uma análise do meio e das condições onde o agente se formou e vive, pois o bem-nascido, sem ter experimentado privações de ordem econômica ou abandono familiar, quando tende ao crime, deve ser mais severamente apenado do que o miserável que tenha praticado uma infração penal para garantir a sua sobrevivência.

Motivos do crime

São os precedentes que levam à ação criminosa. “O motivo, cuja forma dinâmica é o móvel, varia de indivíduo a indivíduo, de caso a caso, segundo o interesse ou o sentimento. Tanto o dolo como a culpa se ligam à figura do crime em abstrato, ao passo que o móvel muda incessantemente dentro de cada figura concreta de crime, sem afetar a existência legal da infração. Assim, o homicídio pode ser praticado por motivos opostos, como a perversidade e a piedade (eutanásia), porém a todo homicídio corresponde o mesmo dolo (a consciência e a vontade de produzir morte)” (ROBERTO LYRA, Comentários ao Código Penal, v. 2, p. 218).

Todo crime tem um motivo, que pode ser mais ou menos nobre, mais ou menos repugnante. A avaliação disso faz com que o juiz exaspere ou diminua a pena-base.

Circunstâncias do crime

São os elementos acidentais não participantes da estrutura do tipo, embora envolvendo o delito. Quando expressamente gravadas na lei, as circunstâncias são chamadas de legais (agravantes e atenuantes, por exemplo). Quando genericamente previstas, devendo ser formadas pela análise e pelo discernimento do juiz, são chamadas de judiciais.

Um crime pode ser praticado, por exemplo, em local ermo, com premeditação, para dificultar a sua descoberta e a apuração do culpado, constituindo circunstância gravosa.

Consequências do crime

É o mal causado pelo crime, que transcende ao resultado típico. É lógico que num homicídio, por exemplo, a consequência natural é a morte de alguém e, em decorrência disso, uma pessoa pode ficar viúva ou órfã.

Entretanto, diversamente, quando o agente sabe que a morte da vítima colocará em risco uma família, pode-se considerar o fato para mensurar a pena.

Comportamento da vítima

É o modo de agir da vítima que pode levar ao crime.

Segundo MIGUEL REALE JÚNIOR, RENÉ ARIEL DOTTI, RICARDO ANDREUCCI e SÉRGIO PITOMBO, “o comportamento da vítima constitui inovação com vistas a atender aos estudos de vitimologia, pois algumas vezes o ofendido, sem incorrer em injusta provocação, nem por isso deixa de acirrar ânimos; outras vezes estimula a prática do delito, devendo-se atentar, como ressalta a Exposição de Motivos, para o comportamento da vítima nos crimes contra os costumes [atual crimes contra a dignidade sexual] e em especial a exploração do lenocínio, em que há por vezes uma interação e dependência da mulher para com aquele que a explora” (Penas e medidas de segurança no novo Código, p. 162-163).

São exemplos: o exibicionista atrai crimes contra o patrimônio; o mundano, delitos sexuais; o velhaco, que gosta de viver levando vantagem, atrai o estelionato (ver os variados exemplos na nota 12 ao art. 171); o agressivo, o homicídio e as lesões corporais, e assim sucessivamente.

Não se quer dizer que a pessoa mundana e lasciva, por exemplo, vítima de crime sexual, não esteja protegida pela lei penal, nem mesmo que o agente deva ser absolvido, porém é óbvio que, nesse caso, a pena do autor da infração penal não deve ser especialmente agravada.

No entanto, investigar o comportamento da vítima para buscar uma corresponsabilidade pode ter também alguns efeitos negativos que, no extremo, causariam uma absurda inversão de papéis.

REFERÊNCIA

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 17. ed. rev. atual. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 2017.


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