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Transcrição – Art. 62 da CLT
Art. 62 – Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:
I – os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;
II – os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.
III – os empregados em regime de teletrabalho.
Parágrafo único – O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento).
Esquema
Comentários
Os comentários que se seguem foram feitos por Homero Batista Mateus da Silva:
Introdução
Este Capítulo se chama Duração do Trabalho e é constituído dos arts. 57 a 75 da CLT, ou seja, o art. 62, embora não seja o derradeiro do bloco, diz que nada será aplicado deste “capítulo” para os dois grupos de trabalhadores nele previstos: os externos e os chefes.
É muito importante a pausa para reflexão antes de entender quem são os externos e os chefes, porque as consequências serão drásticas: perda do direito às horas extras, intervalo para refeição, intervalo para o sono, adicional noturno, cartões de ponto e consequentes.
Para sorte dos externos e dos chefes, os descansos semanais remunerados foram previstos em norma à parte (Lei 605/1949) e o direito às férias está na CLT, mas em outro capítulo: assim, ao menos eles não perdem um dia de descanso por semana e 30 dias de férias ao ano.
O art. 244 da CLT, que pertence à seção dos ferroviários, embasou a jurisprudência das horas de sobreaviso e, tecnicamente, por não estar no mesmo “capítulo” da duração do trabalho, poderia ser reivindicado por externos e chefes, mas o conceito entra em colisão com o art. 62, pois a ideia é que não se saiba nem ao menos se a pessoa está em serviço ou fora do serviço, pois supostamente ela faz seus próprios horários, dias e rotinas de trabalho.
Em suma, o art. 62 é drástico e, como tal, está a exigir uma interpretação restritiva, evitando-se a banalização e a generalização das pessoas privadas de horas extras e pausas.
Constitucionalidade
A interpretação é tão drástica que muitos chegam a propor sua não recepção pela CF/1988, cujo art. 7º, XIII, ao referir à jornada de oito horas (44 horas semanais), ressalvou apenas a possibilidade de o legislador ordinário dispor sobre compensação de jornada, e não sobre jornadas ilimitadas.
A tese encontrou alguma ressonância nos anos 1990, mas sucumbiu pelo mesmo argumento já apresentado por este livro no comentário ao art. 58 quanto à “duração do trabalho normal”, ou seja, a CF/1988 cuidou dos “trabalhos normais” e não vetou a disciplina diferenciada para trabalhos “atípicos”, o que abriu espaço para jornadas de dez, 11 e 12 horas em algumas profissões diferenciadas. Foi assim, a duras penas, que o art. 62 se provou persistente.
Em 2016, o STF não aceitou reapreciar a questão da constitucionalidade do art. 62 da CLT (ADPF 381). Enfrentemos, então, seus incisos e os blocos de trabalhadores potencialmente afetados por seu rigor.
Empregados externos
O inciso I menciona trabalhadores “que exercem atividade externa incompatível” com a fixação de jornada. Em boa hora, o legislador de 1994 fez alguns ajustes na redação, passando a exigir que, além de externo, o empregado esteja em posição incompatível com a fixação da jornada.
Na categoria de externos há numerosos trabalhadores, desde os manobristas e jardineiros até os entregadores, técnicos de manutenção, propagandistas, vendedores e um sem-número de atividades em domicílio e junto ao local de atividade dos clientes. O que se exige para os fins do art. 62, no entanto, é que sua atividade externa seja efetivamente feita fora do alcance ou do controle do empregador.
Obviamente, esse cenário se torna cada vez mais rarefeito com os meios eletrônicos de controle, mas isso não deve ser o único critério de análise, pois essa dificuldade é antiga e não surgiu depois da invenção do telefone celular: o que se deve aferir é se o empregado está sujeito a quantias mínimas de visitas ou de produção diária, se deve apresentar relatórios, se percorre roteiros previamente definidos, se cumpre uma carga de ordens de serviço, e assim por diante.
Quase todos esses exemplos permitem a quantificação diária, ou seja, a partir da unidade (30 minutos por ordem de serviço, dez minutos por visita, uma hora por instalação etc.) se chega ao todo. Como ninguém imagina um trabalhador hoje senhor de seu destino, que possa fazer entregas e consertos quando e como quiser, e que não tenha que prestar contas ao empregador – em tempo real ou em tempo remoto –, passou a ser, de fato, muito temerário que o empregador se concentre na linha do art. 62, I, chamando todos seus empregados de externos.
Sintetizando…
Em síntese, deve-se preferir o uso da expressão “atividade incompatível” ao uso da expressão “atividade externa”, até para se evitar o mau entendimento do conceito delicado do art. 62, I.
Gerentes, diretores e chefes de departamento/filial
Considerações iniciais
Quanto ao art. 62, II, o tema é ainda mais complexo, porque mexe na própria estrutura organizacional do empregador, que, afinal, não detém o poder de considerar quem ostenta o cargo de chefia em sentido estrito. Chefes todos podem ser, de setores, repartições, filiais, unidades, departamentos e afins.
O que o art. 62, II, propõe é que alguns desses chefes estejam num patamar tão elevado que prescindam de qualquer satisfação ao empregador quanto a seu cotidiano e rotinas, desde que apresentem os resultados. Se não há necessidade de justificar ausências e atrasos, por que haveria necessidade de receber horas extras? – indaga o legislador.
A doutrina clássica chegava a utilizar a expressão latina alter ego do empregador para, num esforço de interpretação restritiva, definir o exercente do cargo de chefia do art. 62, II, como sendo o “outro eu” do empregador, ou seja, alguém que substitui integralmente a figura do empregador, podendo contrair dívidas, colocar a empresa em risco e, também, alavancar os lucros.
Com base nessa definição, fica difícil admitir que um hipermercado de, digamos, 400 empregados, tenha 40 chefes no mesmo espaço físico: certamente vai haver 40 chefes de seção, encarregados de caixas, responsáveis pela mercearia, líderes de equipes, mas essa nomenclatura e o salário diferenciado que terão somente reforçam sua maior responsabilidade e não o elevam ao patamar de “outro eu” do empregador.
Lembre-se de que o enquadramento no art. 62, II, representará a perda das horas extras, do adicional noturno, do almoço e do sono dessas pessoas, sem que o salário “diferenciado” esteja a compensar minimamente tamanha consequência jurídica e fática.
Quais seriam, então, os atributos que um empregado deve ter para ser considerado exercente de cargo de chefia?
Atributos
O conteúdo das funções atribuídas ao exercente do cargo de confiança é o que importa. O cargo deve abranger efetivos poderes de mando e gestão, capazes de pôr em risco os rumos da empresa.
Antigamente, a investigação clássica era saber se a pessoa podia admitir e dispensar empregados, pois os procedimentos de recrutamento de pessoal e rescisão contratual pareciam ser o ápice da pirâmide de poderes numa organização. Com o passar do tempo, os poderes foram sendo diluídos, e as rotinas trabalhistas não ostentam mais a envergadura de outrora.
Ao revés, depois de predefinidos alguns critérios e fixados os orçamentos de cada centro de custo, há várias empresas que delegam a seleção de pessoal para escalões secundários ou deixam o processo integralmente dentro do departamento de pessoal – sem contar que muitos simplesmente acabaram por terceirizar o recrutamento.
Talvez isso tenha tornado ainda mais nebuloso descobrir quem é o detentor do cargo de confiança, pois ele também não assina mais cheques – meio de pagamento em desuso – e dificilmente assinará sozinho um contrato com clientes ou com fornecedores – vários contratos demandam assinaturas conjuntas e decisões colegiadas.
A análise será sutil e passa a ser fundamental conhecer o organograma da empresa, ou seja, saber quem toma as decisões de cúpula e não se correr o risco, anteriormente relatado, de se encontrarem 40 chefes num mesmo espaço físico: ou seja, ninguém é chefe.
Cargo de confiança
Uma última palavra sobre a expressão “cargo de confiança”: conforme assinalava a doutrina clássica do direito do trabalho, todos os cargos são de confiança, pois é o mínimo que se espera num relacionamento tão próximo e duradouro quanto aquele que une empregado e empregador; alguns cargos, porém, devem ter nível maior de confiança, pois recebem delegações mais expressivas e informações mais detalhadas da empresa, podendo ser citada a situação dos bancários; o art. 224, § 2º, refere expressamente esse nível de confiança em grau superior.
Portanto, para que se aperfeiçoe o enquadramento no art. 62, II, é preciso que a confiança esteja em grau máximo. Para evitar qualquer desentendimento, melhor seria que, ao se referir ao art. 62, II, utilizássemos expressões diferentes como “cargo de confiança máxima” ou “cargo de gestão superior”, evitando malbaratar o vocábulo confiança.
Salário
O salário do cargo de confiança deve ser pelo menos 40% superior ao salário do cargo efetivo, dispõe o art. 62, parágrafo único. A redação sofrível do dispositivo tem levado a múltiplos questionamentos.
Um dado interessante é que a norma fala em gratificação de função “se houver”, ou seja, admite-se que o salário seja 40% superior ao do cargo efetivo sem que tenha sido criada uma gratificação em separado: é suficiente que o patrão tenha concedido um aumento salarial ao empregado promovido ao cargo de chefia.
Não se é chefe ganhando o mesmo salário que os subordinados. As empresas utilizam o expediente de atribuir os 40% mediante gratificação de função comissionada porque, em caso de retorno às funções anteriores, fica mais descomplicado retirar o pagamento condicional.
Se o aumento for concedido “embutido” ao salário, certamente alguém vai indagar se não terá ocorrido uma redução salarial quando do retorno do empregado às funções anteriores. Essa redução é lícita, mas apresenta um grau de dificuldade maior de compreensão.
Mais complexa ainda é a situação em que o empregado já é contratado diretamente com cargo de confiança, sem ter passado por outros escalões na empresa, quer dizer, não existe o salário do “cargo efetivo”, como consta do art. 62, parágrafo único, pois não há termo de comparação.
Na hipótese, tem-se entendido que ele deve ganhar 40% a mais do que os subordinados, adaptando-se a expressão “cargo efetivo” por “cargos comandados”. O raciocínio parece lógico, mas encontra ainda mais uma dificuldade quando o exercente do cargo de confiança simplesmente não tiver subordinados.
Em última análise, podemos não ter nenhum outro parâmetro de comparação para aferir os 40% e temos de analisar, equitativamente, se o salário era considerado socialmente elevado ou razoável para a envergadura do cargo, com inspiração no art. 460 da CLT.
Regime de teletrabalho
O inciso III, enxertado ao art. 62 pela L 13.467/2017, objetivou criar terceira categoria de trabalhadores desprovidos do direito às horas extras, intervalos e adicional noturno: além dos exercentes de cargos de chefia e de funções externas, incompatíveis com o controle de jornada, a reforma trabalhista propõe que também os trabalhadores em domicílio – atividade que não nasceu com a internet e existe desde tempos imemoriais com os ofícios de costura, alfaiataria, ourivesaria e tantos outros ramos braçais e intelectuais – fiquem à margem do capítulo da duração do trabalho.
A excepcionalidade está cercada de polêmica, dúvidas jurídicas e possível inconstitucionalidade.
REFERÊNCIA
SILVA, Homero Batista Mateus da. CLT comentada. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.
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