Princípio da insignificância

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Conceito

O princípio da insignificância é aquele que diz que nem toda agressão merece reprimenda penal, mas apenas aquela que afetar os bens jurídicos de forma relevante, apta a justificar a intervenção penal. Assim, ainda que se concretize, em algum grau, lesão a um bem jurídico penal, tal circunstância não basta para que seja legítima a incriminação da conduta.

O princípio também pode ser chamado de “bagatela”, se o crime tiver reflexo patrimonial.

Natureza jurídica

Este princípio é causa de exclusão da tipicidade material da conduta.

Nesse sentido, conforme o STF, a tipicidade se divide em:

  • Tipicidade formal: previsão da conduta em lei.
  • Tipicidade material: relevância da lesão.

Requisitos

De acordo com o STF, são necessários os seguintes requisitos para a caracterização da insignificância:

  • Mínima ofensividade da conduta do paciente.
  • Ausência de periculosidade social da ação.
  • Reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento.
  • Inexpressividade da lesão jurídica provocada.

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Insignificância e oculta compensatio

Em alguns julgados, notadamente da relatoria do ex-ministro Eros Grau, o STF subordinou a aplicação do princípio da insignificância à ideia de oculta compensatio, ou seja, à ideia de que a sociedade tolera determinadas condutas, desde que praticadas pelos membros das classes mais pobres, como forma de compensá-los, ocultamente, das desigualdades sociais às quais são submetidos.

Não é correto, no entanto, erigir a oculta compensatio à categoria de pressuposto de admissibilidade do princípio da insignificância, que tem origem e natureza completamente diversas, qual seja, a irrelevância social da lesão provocada, independentemente do motivo subjacente à sua prática.

Fatores sociais como a miséria e a marginalização devem ser levados em conta na análise da culpabilidade, como na coculpabilidade e na culpabilidade por vulnerabilidade. A insignificância se relaciona com a tipicidade, e não pode considerar a história de vida do autor (sob pena de se converter em um direito penal do autor).

Insignificância e reincidência ou habitualidade criminosa

É polêmica a aplicação do princípio da insignificância, ainda que o fato objetivamente atenda aos vetores apontados, quando ou o agente é reincidente, ou delinquente contumaz. Até o presente momento, a tendência jurisprudencial tem sido pelo não acolhimento da atipicidade material nos casos de habitualidade criminosa.

Atualmente, tanto no STF quanto no STJ (ressalvado entendimento por vezes divergente da 6ª Turma do STJ) têm entendido que os aspectos pessoais do agente, tais como a eventual reincidência ou habitualidade criminosa, devem ser considerados quando da ponderação a respeito da insignificância. Dessa forma, ambas as cortes consideram, a priori, que tais circunstâncias tornam inviável o reconhecimento da natureza bagatelar da infração.

Insignificância e teoria da reiteração não cumulativa de condutas de gêneros distintos

Não obstante os tribunais superiores considerem, em regra, a reincidência e a habitualidade criminosa como fatores impeditivos para a aplicação do princípio da insignificância, tem sido admitida ressalva para os casos em que o crime anterior não atinge o patrimônio e não tem vínculo com o subsequente.

Trata-se da chamada teoria da reiteração não cumulativa de condutas de gêneros distintos, segundo a qual a contumácia de infrações penais que não têm o patrimônio como bem jurídico tutelado pela norma penal não pode ser valorada, porque ausente a séria lesão à propriedade alheia (socialmente considerada), como fator impeditivo do princípio da insignificância. Assim, os tribunais têm reconhecido o princípio quando não há reincidência específica.

Insignificância e crime de roubo

Majoritariamente não se entende aplicável a bagatela nesta última hipótese, em razão da violência ou da grave ameaça existentes. É nesse sentido uniforme a jurisprudência dos Tribunais Superiores (STF e STJ).

Insignificância e crime de furto qualificado

Quanto ao furto e à maioria dos delitos patrimoniais sem violência ou grave ameaça, é amplamente majoritário o cabimento do referido princípio.

Longe de ser pacífico, no entanto, é o entendimento a respeito da aplicação do princípio da insignificância em crimes patrimoniais não violentos, tais como o furto, em caso de ocorrência de circunstância qualificadora.

Há farta jurisprudência, nos tribunais superiores, afastando a insignificância em casos de furto qualificado, sob o argumento de que o dano ou o especial desvalor do meio ou modo inerente à qualificadora afasta a irrelevância penal.

Insignificância e crimes funcionais

Divergem as cortes superiores quanto à possibilidade de aplicação do princípio da insignificância em crimes contra a Administração Pública.

No Superior Tribunal de Justiça prevalece atualmente, em ambas as turmas, a inaplicabilidade, sob o argumento de que, para além do patrimônio, protege-se, com esses tipos, a moralidade administrativa cuja lesão é sempre intoleravelmente nociva para a sociedade.

Já no STF encontram-se julgados em um e em outro sentido, tanto não admitindo a aplicação, quanto admitindo-a. Essa última orientação é a que tem prevalecido, modernamente, na Suprema Corte. Todo e qualquer bem jurídico (tenha ou não expressão patrimonial) está exposto a graus diversos e escalonados de violação, do mais intenso e intolerável ao mais tênue e irrisório. Mesmo a moralidade administrativa pode ser afetada de forma levíssima e que não justifique a intervenção penal.

Insignificância e crime de porte de drogas para uso próprio

É altamente controvertida a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância ao delito de porte de droga para consumo pessoal, quando se tratar de ínfima quantidade de droga.

Durante largo período, nos Tribunais Superiores vigia o entendimento de que era impossível a aplicação do referido princípio nessa espécie delitiva, por tratar-se de crime de perigo abstrato em que a pequena quantidade seria inerente ao próprio tipo.

Não parecem corretos os argumentos que sustentam essa posição. Como se lê textualmente do art. 28 da Lei n. 11.343/2006, a pequena quantidade da droga não constitui elemento do tipo em questão.

Além disso, o fato de o delito ser classificado como de perigo abstrato nada tem a ver com a viabilidade ou não do princípio da insignificância, uma vez que, mesmo os crimes de perigo abstrato necessitam de alguma perigosidade concreta ou real, sob pena de afastarem-se por completo do escopo de proteção subsidiária de bens jurídicos.

Insignificância e crimes tributários

A aplicação do princípio da insignificância aos crimes de sonegação tributária, inclusive ao descaminho, é hoje pacífica, mas envolve uma questão polêmica: qual deve ser o parâmetro para a aferição da insignificância nessa espécie delitiva?

No STF, consolidou-se a posição que admite o valor de R$ 20.000,00 como parâmetro para a insignificância.

No STJ, durante largo período, sustentou-se entendimento contrário. Finalmente, em 2018, julgando os recursos repetitivos 1.688.878/SP e 1.709.029/MG, curvou-se ao entendimento da Suprema Corte, que passou também a adotar o parâmetro de R$ 20.000,00.

Insignificância e crime de contrabando

Tanto o STF quanto o STJ sustentam a não aplicação do princípio, pois o bem jurídico protegido pelo delito de contrabando não é somente a arrecadação tributária, mas outros interesses públicos que justificam a proibição ou o controle do ingresso de determinadas mercadorias no País.

Insignificância e crimes ambientais

Tanto o STF quanto o STJ vinham acolhendo modernamente o princípio da insignificância quanto a crimes contra o meio ambiente. Com acerto: o fato de o bem jurídico ser supraindividual não impede que, em determinados casos, a afetação seja mínima, justificando a aplicação da bagatela.

Em 2018, no entanto, a 1ª Turma do STF, ao julgar o HC 122.560/SC, de relatoria do Min. Marco Aurélio Mello, que versava sobre a pesca de 7 quilos de camarão durante o período de defeso, concluiu que “a quantidade de camarão pescado mostra-se neutra para a tipificação de delito”.

Insignificância e ato infracional

Após alguma discussão, os Tribunais Superiores têm reconhecido, acertadamente, a possibilidade de aplicação do princípio da bagatela aos atos infracionais.

Com efeito: o fato de a medida socioeducativa possuir, alegadamente, escopo de prevenção especial por meio da educação do sujeito em formação não pode constituir motivo para que o adolescente receba tratamento mais gravoso do que receberia a mesma conduta praticada por adulto.

Insignificância e violência doméstica contra mulher

Em 2017, o STJ publicou a Súmula 589, segundo a qual “é inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas”.

BIBLIOGRAFIA

JUNQUEIRA, Gustavo; VANZOLINI, Patrícia. Manual de direito penal: parte geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.


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